Trechos de "Macário", de Álvares de Azevedo

"O DESCONHECIDO
Na verdade és belo. Que idade tens?

MACÁRIO
Vinte anos. Mas meu peito tem batido nesses vinte anos tantas vezes como o de um outro homem em quarenta.

O DESCONHECIDO
E amaste muito?

MACÁRIO
Sim e não. Sempre e nunca.

O DESCONHECIDO
Fala claro.

MACÁRIO
Mais claro que o dia. Se chamas o amor a troca de duas temperaturas, o aperto de dois sexos, a convulsão de dois peitos que arquejam, o beijo de duas bocas que tremem, de duas vidas que se fundem ...tenho amado muito e sempre!... Se chamas o amor o sentimento casto e puro que faz cismar o pensativo, que faz chorar o amante na relva onde passou a beleza, que adivinha o perfume dela na brisa, que pergunta às aves, à manhã, à noite, às harmonias da música, que melodia é mais doce que sua voz; e ao seu coração, que formosura mais divina que a dela...eu nunca amei. Ainda não achei uma mulher assim. Entre um charuto e uma chávena de café lembro-me às vezes de alguma forma divina, morena, branca, loura, de cabelos castanhos ou negros. Tenho-as visto que fazem empalidecer-e meu peito parece sufocar meus lábios se gelam, minha mão se esfria...Parece-me então que, se aquela mulher que me faz estremecer assim, soltasse sua roupa de veludo e me deixasse por os lábios sobre seu seio um momento, eu morreria num desmaio de prazer! Mas depois desta vem outra, mais outra e o amor se desfaz numa saudade que se desfaz no esquecimento. Como eu te disse, nunca amei."


"MACÁRIO
Ainda uma vez, antes de dormir, o teu nome?

O DESCONHECIDO
Insistes nisso?

MACÁRIO
De todo o meu coração. Sou filho de mulher.

O DESCONHECIDO
Aperta minha mão. Quero ver se tremes nesse aperto ouvindo meu nome.

MACÁRIO
Juro-te que não, ainda que fosses...

O DESCONHECIDO
Aperta minha mão. Até sempre: na vida e na morte!

MACÁRIO
Até sempre, na vida e na morte!

O DESCONHECIDO
E o teu nome?

MACÁRIO
Macário. Se não fosse enjeitado, dir-te-ia o nome de meu pai e o de minha mãe. Era de certo alguma libertina. Meu pai, pelo que penso, era padre ou fidalgo.

O DESCONHECIDO
Eu sou o diabo. Boa-noite, Macário."

"Macário" é, sem dúvida, a obra-prima de Álvares de Azevedo. Fiquei boquiaberta quando li... Antes eu só conhecia os poemas deste autor (do livro "Lira dos Vinte Anos"), por causa do vestibular. É um livro fantástico... Leiam se puderem :)


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